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Bolsonaro reduz verbas para fiscalização e combate a trabalho escravo

Setor vem sofrendo diminuição em estrutura, número de servidores e piora nas condições de trabalho. Presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais alerta para riscos à garantia de direitos de trabalhadores

A diminuição de recursos para a fiscalização do trabalho e para operações de combate ao trabalho análogo à escravidão coloca em risco um importante instrumento de proteção e garantia de direitos e segurança no trabalho de milhões de trabalhadores e trabalhadoras.

Desde o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o setor tem sofrido ataques que dificultam a ação dos fiscais e o corte de recursos é o principal fator de implosão da fiscalização que, somente este ano, perdeu  cerca de 60% do orçamento.

Em 2016, o total de recursos somava R$ 66.4 milhões. Em 2019 foi de R$ 39 milhões e em 2020, o total caiu para R$ 24.6.

Para ano que vem, o orçamento terá ainda uma ligeira queda. Será de R$ R$ 24,1 milhões.

Os cortes afetam inclusive investimentos em equipamentos e tecnologias necessárias para a realização das ações de fiscalização, como aparelhos eletrônicos, automóveis, computadores e até drones, utilizados na investigação de locais onde pode ter trabalhadores em condições degradantes.

“A fiscalização do trabalho, como qualquer outro serviço público, precisa de orçamento, de pessoal, de estrutura institucional para se manter”, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait), Carlos Silva.

As consequências dos cortes serão a redução no número de ações, de autuações e de trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão, o que, segundo Carlos Silva, significa que haverá maior quantidade de trabalhadores em situação de exploração, sem que a fiscalização chegue até seu local de trabalho.

“O resultado final será a manutenção de trabalhadores sendo explorados sem que o Estado resolva essa condição de ilegalidade”, afirma.

Com menos auditores fiscais do trabalho, aumenta o número de infrações praticadas por parte de empresários, pois a presença e a atuação inibe o descumprimento de normas, diz o presidente do Sinait. “Sabendo que tem menos fiscais nas ruas, fazendo seu trabalho, empresários acabam relaxando em seus deveres”, complementa.

 

A orquestra regida pelos interesses econômicos

A secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva, afirma que o governo de Jair Bolsonaro não tem interesse algum em manter as fiscalizações e combater o trabalho escravo e que isso faz parte de um projeto de governo que não protege os trabalhadores e sim, a elite econômica.

“Bolsonaro está aprofundando as reformas feitas pelo golpista Temer em 2017, que desmontou e desregulamentou as relações de trabalho com a reforma Trabalhista. É só ver agora o que ele pretende com a Carteira Verde Amarela”, diz a dirigente, se referindo a intenção do governo em criar um programa que propõe a criação de empregos reduzindo direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para o presidente do Sinait, há uma conexão entre os ataques à fiscalização do trabalho e outras ações como a reforma Trabalhista, as recentes Medidas Provisórias do governo, outras leis como da Terceirização e a extinção do Ministério do Trabalho. Todas elas, ele reforça, têm como objetivo alterar as leis trabalhistas em benefício dos empresários.

“São ações orquestradas para desmontar o sistema de proteção social e trabalhista que o Brasil tem garantido na Constituição de 1988. Se não é possível ainda alterar o texto [da Constituição] para flexibilizar as garantias, essas medidas acabam enfraquecendo esse sistema, de baixo para cima”, diz.

Carlos reforça que o governo está, de fato, dificultando a presença dos fiscais nos ambientes onde “sabidamente existem trabalhadores precisando da atuação protetiva do Estado”.

“Efetivamente, a fiscalização tem sido atacada e afastada dos ambientes de trabalho, com redução de orçamento e por transformações legais no modo de fiscalizar. O objetivo não é outro que não o de ser conivente com empresários que descumprem a lei”, diz o presidente do Sinait.

 

Pelas arestas

Além de cortes no orçamento, a fiscalização do trabalho vem sendo enfraquecida por outros meios. Um deles é a Norma Regulamentadora n° 3 (NR3), à qual a CUT é contra. Madalena Margarida Silva, explica que a NR3 traz dificuldades para fiscais e técnicos realizarem corretamente o trabalho de fiscalização.

“A matriz de risco não deixa clara a forma como os profissionais devem fazer o diagnóstico da infração”.

Remígio Todeschini, pesquisador de saúde, trabalho e previdência da UNB e assessor da Federação dos Trabalhadores no Ramo Químico da CUT no estado de São Paulo (Fetquim-SP), afirma que “o auditor precisa de um malabarismo mental para classificar as situações de risco em provávelpossívelremoto e raro de ocorrerem acidentes e doenças nos locais de trabalho”.

Ou seja, com essa classificação, o auditor fica se vê em dificuldades de usar o instrumento de embargo e interdição de acordo com os princípios constitucionais de proteção da vida dos trabalhadores.

Carlos Silva cita também o artigo 31 da MP 927 que tentou transformar atuação dos fiscais em orientadora, limitando a autonomia para a execução de infrações.

ARTIGO 31°/MP 927artigo 31°/MP 927

“Tivemos que recorrer ao STF [Supremo Tribunal Federal] para que houvesse a decisão de que não existe fiscalização que não possa punir uma infração”, ressalta o dirigente.

 

Durante a pandemia

Carlos explica que, ao contrário do que se justificaria diminuição, por conta de menor atividade econômica e isolamento durante a pandemia do novo coronavírus, o número deveria aumentar. “Porque é exatamente nesse momento que se vê a exploração em grau mais elevado”, ele justifica.

Por isso, limitar a atuação a apenas “orientadora”, como propôs a MP 927, é um contrassenso, reforça Carlos Silva.

 

Trabalhadores

O contingente de fiscais do trabalho em 2015 era de 2.546 servidores. Em 2020, o número é 19,4% menor. Eles são 2.050 em todo o Brasil.

Madalena Margarida Silva, secretária de Saúde do Trabalhador da CUT reforça a necessidade de concursos públicos para repor o quadro de trabalhadores.

Ela diz que em alguns setores como o de frigoríficos, o movimento sindical, junto com o Ministério Público do Trabalho, tem conseguido acompanhar o cumprimento de regras pro parte de empresários, mas o número reduzido de auditores prejudica a fiscalização em geral.

Para resolver o problema, ela diz, “precisa de concurso público imediato para renovar os quadros de fiscalização para que o trabalho seja feito de forma mais efetiva”.

Além de serem poucos, eles correm riscos. O presidente do Sinait relata casos de servidores contaminados pela Covid-19, ainda que tenham seguidos todos os protocolos de segurança recomendados por autoridades sanitárias, que segundo o dirigentes, são cumpridos pro conta própria.

“A administração não tem nenhuma preocupação com a segurança desses trabalhadores, que não recebem equipamentos de proteção individual como máscaras, álcool gel, tudo é por conta do próprio auditor, inclusive período de quarentena após exposição em situações de riscos. Muitos deles coabitam com pessoas de grupos de risco”, denuncia.

 

Trabalho escravo

Uma das atribuições dos auditores é fiscalizar, autuar e resgatar trabalhadores de locais onde condições análogas à escravidão sejam verificadas.

Trata-se de trabalhadores que se encontram em condições de trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho, ou ainda restringindo sua locomoção, “em razão de dívida contraída com o empregador”, conforme diz o Artigo 149 do Código Penal.

Esses números também têm diminuído por conta dos cortes de recursos.

Em 2019 foram feitas 46 operações regionais pelo grupo móvel de auditores fiscais, sendo 148 fiscalizações, com um total de 1.133 trabalhadores resgatados.

Em 2020, até agora, foram feitas somente 15 operações, com 57 fiscalizações e, de acordo com o Portal da Inspeção do Trabalho, do Governo Federal, 231 trabalhadores resgatados.

Em 2018, um total de 1752 trabalhadores foram resgatados da condição de trabalho análogo à escravidão.

Fonte: cut.org.br